José António Saraiva publicou no SOL um violento editorial que ajuda a compreender a polémica que as Maçonarias causam. Foi a 7 de Outubro de 2006, mas as razões
abjacentes parecem ser eternas. «Depois do 25 de Abril, um poder parcialmente oculto emergiu no país. Esse poder pontificava nas empresas, controlava vários ministérios e mandava na rua. Tratava-se de um poder parcialmente oculto porque a sua força efectiva de intervenção na sociedade era muitíssimo superior à sua força eleitoral. Com a progressiva institucionalização da democracia, o Partido Comunista – pois é dele que estou a falar – foi sendo reconduzido à sua verdadeira dimensão. E julgava-se que os poderes ocultos tinham acabado. Puro engano. A história do procurador-geral da República, Souto de Moura, constitui uma óptima prova de que alguns desses poderes continuam vivos e bem vivos.
Goste-se mais ou menos de Souto de Moura, valorize-se mais ou menos a sua falta de jeito para lidar com os media, uma coisa é forçoso reconhecer: com ele a Justiça correspondeu à imagem da Justiça – foi cega. Os poderosos sentiam não poder abrigar-se à sombra do seu poder. Os influentes à sombra da sua influência. Os ricos à sombra da sua fortuna. Sucede que, sobretudo a partir do momento em que rebentou o escândalo da Casa Pia, o procurador tornou-se vítima de ataques que umas vezes visavam a sua pessoa e outras aquilo que dizia, mas cujo objectivo não era bem claro. A pouco e pouco, porém, foi-se adivinhando o fim da história.
Começou a perceber-se que, desacreditando-se o procurador, desacreditava-se a Justiça. E desacreditando-se a Justiça, desacreditavam-se os processos em curso, em particular os mais mediáticos. E desacreditando-se os processos, punham-se em causa as acusações.
E deitando por terra as acusações, reabilitavam-se os culpados – que passavam de réus a vítimas de um sistema hediondo. Souto de Moura era, pois, o homem a abater.
Olhando para trás, é possível dizer que um poder oculto esteve na primeira linha do combate ao procurador. Refiro-me à Maçonaria. Não digo que todos os que participaram nesse combate fossem maçons. Como em todas as campanhas, há uma força que organiza, que reúne vontades, e pessoas avulsas que aderem ao movimento e o engrossam. Mas o motor da luta contra Souto de Moura foi a Maçonaria. Talvez porque algum ou alguns dos réus do processo Casa Pia fossem maçons – e uma das regras daquela sociedade semi-secreta é a entreajuda.
A bem da transparência, o Presidente da República, Jorge Sampaio, não se deixou ir na onda. Enfrentando ventos e marés, fazendo orelhas moucas, não cedeu às pressões para retirar a confiança ao procurador. Com isso, prestou um bom serviço à Justiça e à democracia. Se Souto de Moura tivesse sido demitido e os processos em curso tivessem andado para trás, quem acreditaria que a Justiça é igual para todos? Se a cabeça de Souto de Moura tivesse rolado pelo chão e os réus do ‘caso Casa Pia’ tivessem saído da prisão a cantar vitória, quem acreditaria ainda na Justiça portuguesa?»